Em minha atuação como advogada especializada em Direito da Saúde — área na qual venho me dedicando com afinco há anos — sempre me movi pelos casos que desafiam o ordinário.
A advocacia, para mim, é ofício de escuta e elaboração, especialmente quando se trata de pacientes em estado de vulnerabilidade clínica extrema.
O caso de Fabiane é emblemático: Uma jovem diagnosticada com Síndrome do Intestino Curto — condição rara, gravíssima e progressiva. Ela havia ajuizado ação anteriormente pleiteando o fornecimento da Revestive® (teduglutida), medicamento não incorporado ao SUS, e teve seu pedido definitivamente indeferido. A sentença transitou em julgado. Para muitos, o caso havia se encerrado — para mim, apenas se iniciava.
Quando Fabiane me procurou, era evidente que a decisão pretérita não refletia mais a realidade. Ela vivia sob nutrição parenteral total, enfrentava infecções recorrentes e apresentava risco constante de septicemia.
A urgência clínica clamava por uma nova análise jurídica. Após estudo minucioso do caso, identifiquei que os elementos fáticos e probatórios se modificaram substancialmente. Havia, sim, uma nova causa de pedir — amparada por documentação técnica atualizada, laudos clínicos recentes e pareceres médicos que atestavam, com base científica, a eficácia da Revestive® (teduglutida). para sua condição.
Mas esse não era um desafio trivial. Era preciso enfrentar, além da coisa julgada, os Temas 6 e 1234 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas Vinculantes nº 60 e 61. Estes dispositivos consolidam o entendimento jurisprudencial sobre as condições necessárias à concessão de medicamentos não padronizados pelo SUS. A atuação exigia precisão técnica e coragem argumentativa.
Conscientes disso, estruturamos uma nova demanda com base nos seguintes pilares:
- Excepcionalidade do caso clínico, demonstrada por evidência científica inequívoca da imprescindibilidade da Revestive® (teduglutida). para a manutenção da vida;
- Modificação substancial do quadro fático, o que autoriza o afastamento da coisa julgada, sob o fundamento de causa de pedir nova;
- Atendimento rigoroso aos requisitos do Tema 6 do STF, incluindo a ineficácia de alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS e a prescrição médica fundamentada por profissional habilitado;
- Comprovação da viabilidade orçamentária e do registro sanitário da medicação, elementos exigidos pela jurisprudência consolidada.
O pedido foi redigido com a clareza técnica e a empatia de quem compreende o que está em jogo. Porque, sim, os autos também podem emocionar — quando carregam verdade e técnica em equilíbrio.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu isso. Em decisão proferida pela 6ª Turma no dia 29/04/2025, foi concedida a liminar para garantir a Fabiane o fornecimento da Revestive® (teduglutida). Uma decisão que não apenas garantiu um direito, mas também reafirmou a possibilidade de o Direito encontrar o ser humano, mesmo sob as amarras das formalidades processuais.
Essa vitória é prova de que a advocacia em saúde deve ser artesanal, exigindo domínio técnico, sensibilidade na escuta e respeito profundo à singularidade de cada paciente. É uma advocacia que não apenas conhece a norma, mas também a dor que ela deve alcançar.
Casos como o de Fabiane tornam evidente o abismo que separa o avanço científico da política pública. Medicamentos órfãos, como o Revestive® (teduglutida) seguem fora da lista do SUS não por ineficácia, mas por inércia administrativa e restrições orçamentárias. E é exatamente nesse vácuo que a advocacia comprometida se torna ponte — entre a ciência médica e o reconhecimento jurídico da dignidade humana.
Hoje, Fabiane, em meio a tanta luta para recuperar a sua saúde, respira aliviada sob o amparo de uma decisão justa. E eu sigo convicta de que minha missão na advocacia transcende a técnica, ela é também feita de vocação, escuta e fé.
O Direito pode, sim, transformar realidades, quando exercido com coragem e verdade.
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Registro aqui minha gratidão ao colega Dionísio Birnfeld, por sua parceria jurídica, a quem tenho sincero apreço e admiração, principalmente por sua sensibilidade, característica que considero essencial em qualquer atuação conjunta no Direito da Saúde.
Ao assistente técnico Dr. Maurício Beck (CREMERS 28829 | RQE 32744), cujo parecer técnico foi determinante; e ao Dr. Eduardo Brambilla (CRM 19695 | RQE 11313), médico assistente de Fabiane, cuja dedicação clínica foi decisiva para fundamentar o pleito.
Processo nº 5000439-97.2025.4.04.0000
OAB/RS 77.316